"Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal (...) A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de espetáculo desde então terá um cunho negativo (...) ficou a suspeita de que tal rito que dava um fecho ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria (...) A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal (...) a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro (...) o escândalo e a luz serão partilhados de outra forma; é a própria condenação que marcará o delinquente com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença (...) se realiza a negação teórica: o essencial da pena que nós, juízes, infligimos não creiais que consista em punir; o essencial é procurar corrigir, reeducar, curar (...) O desaparecimento dos suplícios é pois o espetáculo que se elimina; mas é também o domínio sobre o corpo que se extingue (...) O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos."
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. ed. Vozes, p. 12-14.