sábado, 27 de agosto de 2011

Castro Alves "Espumas Flutuantes"


“Era um sonho dantesco!... o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros...estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos...o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra.
E após fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual num sonho dantesco as sombras
[voam...!
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...”
ALVES, Castro. O Navio Negreiro, parte IV Espumas Flutuantes. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d.. p. 184-5.

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