terça-feira, 11 de outubro de 2011

Francisco Iglésias comenta o Integralismo de Plínio Salgado

"Plínio Salgado (...) não era o chefe imaginado pela direita do país: arrogante nos momentos de êxito, era simples seguidor de ordens oficiais em momentos adversos. Assim terminou sua carreira, como deputado convencional. Não sem deixar marca profunda de seu pensamento, pouco original, mas eficaz na propaganda, empolgando largos setores da população por alguns anos, para depois consumir-se como político comum na Câmara dos Deputados. A Ação Integralista é episódio digno de nota na trajetória política de um povo que não conta com instantes excepcionais, em geral acomodado à ordem vigente. Exprimiu aqui a ascensão da direita no mundo, mas não conseguiu impô-la. Viveu intensamente de 1932 a 1937, para depois desaparecer. "
IGLESIAS, Francisco. Trajetória Política do Brasil 1500-1964. ed. Cia das Letras, p. 241, 1993.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Lenin em defesa do Estado Laico

"A impotência das classes exploradas na luta contra os exploradores gera tão inevitavelmente a fé numa vida melhor de além-túmulo como a impotência dos selvagens na luta contra a natureza gera a fé em deuses, diabos, milagres, etc. Para aquele que toda a vida trabalha e passa necessidades a religião ensina a resignação e a paciência na vida terrena, consolando-o com a esperança da recompensa celeste (...)
O operário consciente moderno, formado pela grande indústria fabril e esclarecido pela vida urbana, afasta de si com desprezo os preconceitos religiosos e deixa o céu à disposição dos sacerdotes e dos carolas burgueses, alcançando uma vida melhor aqui na terra. O proletariado moderno se coloca ao lado do socialismo, que se vale da ciência na luta contra o nevoeiro religioso e liberta os operários da fé na vida de além-túmulo por meio de sua arregimentação para uma verdadeira luta por uma vida terrena melhor.
A religião deve ser declarada um assunto privado - com essas palavras se exprime habitualmente a atitude dos socialistas em relação à religião (...) Exigimos que a religião seja um assunto privado em relação ao Estado (...) O Estado não deve manter conúbio com a religião, e as sociedades religiosas não devem estar ligadas ao poder estatal. Cada pessoa deve ser absolutamente livre para professar qualquer religião que seja ou para não reconhecer nenhuma religião, isto é, para ser ateia, coisa que todo socialista geralmente é. São absolutamente inadmissíveis quaisquer diferenças entre os cidadãos quanto a seus direitos conforme suas crenças religiosas. Deve ser totalmente eliminada até mesmo qualquer referência a uma ou outra religião dos cidadãos em documentos oficiais. (...)
Completa separação entre igreja e Estado - eis a reivindicação que o proletariado socialista apresenta ao Estado e à igreja atuais.(...)
Seria estreiteza burguesa esquecer que o jugo da religião sobre a humanidade é apenas produto e reflexo do jugo econômico que existe dentro da sociedade (...) A unidade dessa luta realmente revolucionária da classe oprimida pela criação do paraíso na terra é mais importante para nós do que a unidade de opiniões dos proletários sobre o paraíso no céu. "
LENIN, Vladimir Ilitch. Socialismo e Religião. Revista Nova Vida n.28, 3 dezembro 1905. 

sábado, 27 de agosto de 2011

Castro Alves "Espumas Flutuantes"


“Era um sonho dantesco!... o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros...estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos...o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra.
E após fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual num sonho dantesco as sombras
[voam...!
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...”
ALVES, Castro. O Navio Negreiro, parte IV Espumas Flutuantes. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d.. p. 184-5.

domingo, 14 de agosto de 2011

Frei Boff "Alento àqueles que se acham desolados com a Igreja"

"Atualmente, há muita desolação com referência à Igreja Católica institucional. Verifica-se dupla emigração: uma exterior, pessoas que abandonam concretamente a Igreja, e outra interior, as que permanecem nela, mas não a sentem mais como um lar espiritual. Continuam a crer, apesar da Igreja.

Não é para menos. O atual papa tomou iniciativas radicais que dividiram o corpo eclesial. Assumiu rota de confronto com dois importantes episcopados, o alemão e francês, ao introduzir a missa em latim. Elaborou uma esdrúxula reconciliação com a Igreja cismática dos seguidores de Lefebvre; esvaziou as principais intuições renovadoras do Concílio Vaticano II, especialmente o ecumenismo, negando, ofensivamente, o título de "Igreja" às demais igrejas que não sejam a Católica e a Ortodoxa. Ainda como cardeal, mostrou-se gravemente leniente com os pedófilos; sua relação com a Aids beira os limites da desumanidade.

A atual Igreja Católica mergulhou num inverno rigoroso. A base social de apoio ao modelo velhista do atual papa é constituída por grupos conservadores, mais interessados nas performances mediáticas, na lógica do mercado, do que em propor mensagem adequada aos graves problemas atuais. Oferecem um "cristianismo-prozac", apto para anestesiar consciências angustiadas, mas alienado face à humanidade sofredora.

Urge animar esses cristãos em vias de migração quanto ao que é essencial ao cristianismo. Seguramente, não é a Igreja que foi objeto da pregação de Jesus. Ele anunciou um sonho, o Reino de Deus, em contraposição ao Reino de César - Reino de Deus que representa uma revolução absoluta das relações desde as individuais até as divinas e cósmicas.

O cristianismo compareceu primeiramente na história como movimento e caminho de Cristo. Ele é anterior à sua sedimentação nos quatro evangelhos e nas doutrinas. O caráter de caminho espiritual é um tipo de cristianismo que possui seu próprio curso. Geralmente vive à margem e, às vezes, em distância crítica da instituição oficial. Mas nasce e se alimenta do permanente fascínio pela figura e mensagem libertária e espiritual de Jesus de Nazaré. Inicialmente tido como "heresia dos Nazarenos" (At 24,5) ou simplesmente "heresia" (At 28,22) no sentido de "grupelho", o cristianismo foi lentamente ganhando autonomia até seus seguidores, nos Atos dos Apóstolos (11,36), serem chamados de "cristãos."

O movimento de Jesus certamente é a força mais vigorosa do cristianismo, mais que as igrejas, por não estar enquadrado nas instituições ou aprisionado em doutrinas e dogmas. É composto por todo tipo de gente, das mais variadas culturas e tradições, até por agnósticos e ateus que se deixam tocar pela figura corajosa de Jesus e o sonho que anunciou, um reino de amor e de liberdade, por sua ética de amor incondicional, especialmente aos pobres e oprimidos, e pela forma como assumiu o drama humano, no meio de humilhações, torturas e da execução na cruz.

Esse cristianismo como caminho espiritual é o que realmente conta. A instituição da Igreja sempre vive em tensão com o caminho espiritual. Ótimo quando caminham juntos, mas é raro. O decisivo é, no entanto, o caminho espiritual. Esse tem a força de alimentar uma visão espiritual da vida e de animar o sentido da caminhada humana.

O importante é que o cristianismo mantenha seu caráter de caminho espiritual. É ele que pode sustentar tantos cristãos e cristãs face à mediocridade e à irrelevância em que caiu a Igreja atual."
BOFF, Leonardo.  Alento àqueles que se acham desolados com a Igreja. In: Jornal O Tempo, 12 agosto 2011.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Caio Túlio Costa "Anarquismos e Anarquistas"

"Os anarquistas, se é que se pode encontrar algo de comum entre eles, têm em mira apenas o indivíduo, sem representantes, sem delegações, produtor, naturalmente em sociedade. Positivamente, eles preconizam uma nova sociedade e indicam alguns meios para isto. 
(...)
Existem vários anarquismos. A tentativa é detectá-los historicamente para compreendê-los um pouco antes que nos obriguem a esquecê-los. 
(...)
Os anarquistas sempre estiveram de acordo em relação ao fim último de seus propósitos, divergindo apenas quanto à tática mais convincente para consegui-lo. Os partidários de Tolstoi, próximos ao que se pode chamar de anarquismo cristão, não admitiam a violência em nenhuma circunstância. O inglês William Godwin esperava determinar mudanças mediante discussões. Proudhon e seus partidários propugnavam a mudança social através da proliferação das organizações cooperativas. Kropotkin aceitava a violência, mas a contragosto e somente porque a considerava inevitável na revolução e esta por sua vez inevitável na etapa do progresso humano. Bakunin em vários momentos teve dúvidas, mas combateu em barricadas e exaltou o caráter sanguinário da insurreição camponesa. Contrito, chegou a dizer que as revoluções cruéis são necessárias, única e exclusivamente por causa da estupidez humana;
(...)
Todos os anarquistas concordam que o homem possui, por natureza, todos os atributos necessários para viver em liberdade e concórdia social. Não acreditam que o homem seja bom por natureza, mas estão convencidos de que o seja por natureza social. 
(...)
O ódio visceral de todos os anarquistas é contra este leviatã da sociedade moderna, este organismo imenso e todo-poderoso, a síntese da autoridade e da centralização, a espada de Dâmocles que, pendida sobre a cabeça de cada cidadão, foi paulatinamente conquistando o poder político, econômico e social: o Estado. Todos o fulminam com invectivas e adjetivos. Consideram-no seu inimigo. Bakunin enlaça o conceito de Estado com o de Deus e os proclama principais adversários da liberdade humana. Proudhon não cansa de repetir que o governo do homem pelo homem é a servidão (...)"

COSTA, Caio Túlio. O que é o Anarquismo. ed. Brasiliense. pp. 11-17.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Augusto dos Anjos "Soneto" (Podre Pai)

 
"A meu Pai doente
 
1
Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei também, trilhando as mesmas ruas...
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!
Que coisa triste! O campo tão sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!
Magoaram-te, meu Pai?! Que mão sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!
- Seria a mão de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus, 
Deus não havia de magoar-te assim!
A meu Pai morto
2
Madrugada de Treze de Janeiro.
Rezo, sonhando, o ofício da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!
E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse à minha mãe que me dizia:
Acorda-o! deixa-o, Mãe, dormir primeiro!
E saí para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma névoa no estrelado véu...
 
Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas,
Como Elias, num carro azul de glórias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!

3
Podre meu Pai! A morte o olhar lhe vidra.
Em seus lábios que os meus lábios osculam
Micro-organismos fúnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.

Duras leis as que os homens e a hórrida hidra
A uma só lei biológica vinculam,
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!...

Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos
Roída toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos festins!...

Amo meu Pai na atômica desordem
Entre as bocas necrófagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!..."

ANJOS, dos Augusto. Soneto. ed. L&PM. pp. 76-78.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ned Ludd e a Crítica do Ativismo

"O papel de ativista é um papel que adotamos como aquele do policial, pai ou padre - uma estranha forma psicológica que usamos para definir a nós mesmos em relação aos outros. O ativista é um especialista ou um expert em transformação social - apesar de sabermos que quanto mais forte nos apegamos e somos fiéis a este papel e à noção do que somos, mais estaremos impedindo a transformação que desejamos. Uma verdadeira revolução envolverá uma quebra de todos os papéis e funções preconcebidos e a destruição de todo especialismo - a recuperação de nossas vidas.
(...)
A atividade supostamente revolucionária do ativista é uma rotina cega e estéril - uma constante repetição de poucas ações sem potencial para a mudança. Ativistas provavelmente resistiriam à mudança caso ela viesse, uma vez que ela destruiria as fáceis certezas de seu papel e o agradável pequeno nicho que eles cavaram para si mesmos. Da mesma forma que chefes de sindicatos, ativistas são eternos representantes e mediadores. Da mesma forma que líderes sindicais seriam contra o sucesso de seus trabalhadores na sua luta, porque isto provavelmente acabaria com seu emprego, o papel do ativista também é ameaçado pela mudança.
(...)
A chave para entender o papel do militante e do ativista é o sacrifício próprio - o sacrifício de si mesmo para a causa, que é vista como algo separado de si próprio. Isto, é claro, não tem nada a ver com a verdadeira atividade revolucionária que é encontrar a si próprio. O martírio revolucionário caminha junto com a identificação de alguma causa separada de sua própria vida - uma ação contra o capitalismo que identifica o capitalismo como lá fora na City é fundamentalmente um engano. O poder real do capital está aqui mesmo na nossa vida cotidiana - nós recriamos o seu poder todos os dias, porque o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas (e também entre classes) mediada por coisas."
LUDD, Ned. Baderna - Urgência das Ruas. ed. Conrad, pp. 34-37.